quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Paulo, os poetas seculares e o irmão Faísca



Hermes Fernandes


Lá estava Paulo, no coração intelectual do mundo. Enquanto aguardava por Silas e Timóteo que vinham a caminho, o apóstolo dos gentios começou a enojar-se de toda aquela idolatria que imperava em Atenas.
Sua vontade era soltar o verbo, e esculhambar de vez com tudo aquilo. Sem conseguir se segurar, Paulo partiu pra sinagoga, e lá, num ambiente mais propício, ele esbravejou, discutindo com gregos e troianos, quer dizer, com judeus e gregos convertidos ao judaísmo.

Mas o caldo engrossou, quando chegaram os filósofos epicureus e estóicos. Espertos, trataram de tirar Paulo do ambiente religioso, e levá-lo para um ambiente secular, que, na opinião deles, não lhe era tão familiar. Com o apóstolo em desvantagem, eles poderiam “cantar de galo” em seu próprio terreno.

Levaram-no ao Areópago.

Quem ia à sinagoga, ia com a intenção de adorar ao Deus de Abraão, Isaque e Jacó (pelo menos, em tese). Mas quem ia ao Areópago, ia em busca de novidades. O Areópago seria o equivalente à internet em nossos dias. Em outras palavras, 'terra de ninguém'.

Imaginemos que Paulo estivesse acompanhado de um crente legalista, do tipo com que a gente se esbarra por aí. Daqueles que se escondem por trás de uma fachada de santidade, ou por trás de um perfil falso na internet (fake), com direito a pseudônimo e tudo.

Vamos chamá-lo carinhosamente de “irmão Faísca”, ou Faisquinha (sonhando em ser “labareda” um dia...).

Vendo Paulo em maus lençóis, ele pensa com seus botões:

- E agora, Paulo? Como você vai se sair dessa? Mandar bem na sinagoga é fácil, quero ver como vai se sair num ambiente secular...

O irmão Faísca imaginou que, a julgar pela maneira como falava lá na sinagoga, Paulo perderia as estribeiras, e detonaria aqueles idólatras. Mas para sua surpresa, Paulo se revelou um gentleman.

- Homem atenienses, já vi que vocês são muito fervorosos em sua religiosidade. Com estas palavras, Paulo iniciou seu surpreendente discurso. E continuou:

- Passando por um dos santuários da cidade, dei de cara com um altar que tinha uma placa onde se lia: AO DEUS DESCONHECIDO. Querem saber de uma coisa? É sobre esse Deus que quero falar com vocês.

Imediatamente, o irmão Faísca deu um passo atrás, e cochichou para outros dois dos seus companheiros, o irmão Recalcado e o irmão Cabideiro:

- Aonde é que Paulo quer chegar? Que estória imbecil é esta? Quem disse que esse “deus desconhecido” é o Deus de Jesus Cristo? Paulo tá doido? Tá trocando as bolas!

O Recalcado, tomado por uma revolta nada santa, acrescentou:

- Será que ele não sabe como se originou este culto bizarro? Ninguém contou pra ele que este deus desconhecido é só mais um ídolo idiota? E se é ídolo, por trás dele tem um demônio. Quando esta gente se dobra perante este altar, está adorando o capeta. E como Paulo pode endossar isso?

Indiferente às críticas do Faisquinha e seus colegas, Paulo prosseguiu em seu discurso. Em vez de atacar os “idólatras”, Paulo os acalentava, e assim, conquistava sua simpatia, garantindo que ouvissem sua pregação.

Gradativamente, o apóstolo introduzia as verdades eternas do Evangelho da Graça, sem espantar, nem criticar ninguém.

Se na sinagoga Paulo tinha sempre um ‘pega pra capar’ com os crentes judeus, no Areópago, ele parecia brando, porém firme em suas convicções.

Em poucos minutos, falou-lhes sobre a graça e a soberania de Deus.

Durante esta etapa de seu discurso, Faisquinha já estava mais calmo. Percebeu que apesar de ter dado aquele furo no início, Paulo já havia voltado para os trilhos, e agora, apresentava-lhes o genuíno Evangelho (Era assim que ele imaginava).

De repente, em vez de citar passagens bíblicas, extraídas do Antigo Testamento, ou mesmo palavras atribuídas a Jesus, Paulo resolve citar filósofos gregos.

Não se segurando em si, o Cabideiro soltou entre os seus amigos:

- Que é isso, Paulo? Assim você vai estragar tudo! Esses caras não sabiam o que estavam falando. Eles eram tudo satanistas. Nunca parou pra ouvir suas canções? Seja mais bíblico, mais ortodoxo, senão, daqui há pouco a turma lá da sinagoga vai lhe taxar de herege.

Eles bem que queriam ter dito tudo isso diretamente a Paulo, em alto e bom som. Mas como não havia um perfil fake naquela época, sob o qual pudessem emitir qualquer opinião, sem ter que se expor, preferiram ficar calados.

Conhecedor da cultura secular, Paulo cita de cor o verso atribuído aos poetas gregos:

“Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos. Como também alguns dos vossos poetas disseram: Somos também sua geração” (At.17:28).

Fico imaginando se isso houvesse acontecido hoje, quem seriam os poetas que Paulo citaria. Talvez citasse Cazuza, Renato Russo, Tom Jobim, sem se importar com o credo professado por eles.

O fato é que, ao final do seu discurso, vários se converteram à fé, inclusive o chefe do Areópago, chamado Dionísio (nome do deus do vinho).

Enquanto isso, o Faisquinha apagou, e seus amigos imaginários também, juntamente com o seu sonho de ser um dia uma labareda.



fonte Genizah

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