sábado, 22 de maio de 2010

Espiritualidade ou religiosidade?




A comunidade cristã deve ser uma comunidade espiritual, ou seja, “uma vida no Espírito de Deus, um intenso convívio com o Espírito de Deus”. Segundo Moltmann, esse é o verdadeiro sentido de espiritualidade. O significado da palavra sofreu modificações, e atualmente espiritualidade é entendida como religiosidade. Espiritual seria a pessoa que vive intensamente com o Espírito Santo, não aquela que se dedica amplamente à vida religiosa.
Numa perspectiva dualista – em que corpo/alma, matéria/espírito, ação/oração estão em contradição -, seria correto afirmar que espiritual é a pessoa que vive de forma ascética, como um monge, uma freira, um líder de comunidade, um membro que se destaca por freqüentar muitas reuniões na igreja. Esse tem sido o entendimento de muitas igrejas acerca do que significa ser espiritual, ou ter espiritualidade. Muitas de nossas experiências comunitárias evangélicas atuais tem-se identificado como espirituais pela ênfase no que se convencionou chamar de separação do mundo.
Essa tendência dualista enfatizava que o homem e a mulher deveriam buscar a Deus e preocupar-se com a sua alma, afastando-se do que se referisse ao corpo, à natureza e à sociedade. Esse pensamento influenciou a teologia cristã, gerando a separação das coisas espirituais das carnais (corpo, sociedade, natureza). O homem e a mulher deveriam cuidar de sua alma e do seu relacionamento com Deus, vivendo de modo mais espiritual. No entanto, conforme Moltmann afirma, “com essa espiritualidade se introduz na vida uma oposição que a divide e lhe amortece a vitalidade”. (citação: Jürgen Moltmann, O Espírito da Vida).
O gnosticismo, um dos primeiros representantes do dualismo no interior da fé cristã primitiva, mesmo sendo tão combatido acabou por influenciar a teologia cristã. A exaltação da transcendência e dos valores do mundo espiritual, somada a um crescente desprezo por tudo que é material, acabou afastando a comunidade cristã do mundo como lugar digno de construir o Reino de Deus.
O futuro de Deus foi sendo substituído pela eternidade de Deus, o Reino vindouro pelo céu, o Espírito Santo como “fonte de vida” pelo Espírito que liberta a alma do corpo, a ressurreição da carne, pela imortalidade da alma, a transformação do mundo pelo anseio por um outro mundo.
Essa formação dualista de lidar com a vida e, de forma especifica, com a experiência cristã, não cessou na igreja primitiva. Ela se estendeu ao longo do tempo, chegando de forma muito intensa à vivencia da fé em solo brasileiro em praticamente todos os arraiais cristãos. Exatamente em decorrência da força do dualismo na vivencia da fé cristã, é preciso perceber quanto essa forma de pensamento e ação se distancia daquilo que o texto sagrado revela como sendo o modelo de vida dirigido pelo Espírito.
Onde o Espírito de Deus está atuando, como força de Deus que a tudo dá vida, há vitalidade. Homens e mulheres que se aproximam de Deus são levados pelo Espírito a uma novidade de vida, ou seja, a experimentarem a verdadeira espiritualidade: “A benção de Deus aumenta em vez de amortecê-la – a vitalidade.” A proximidade de Deus torna a vida novamente merecedora de ser amada e não de ser desprezada”.
A ênfase na santificação e na santidade, tema de muitos sermões e não poucas canções, tem sido na separação total do mundo quando deveria ser na ação santificadora do Espírito em nós, que não habitamos outro lugar senão o belo e bom mundo dado a nós por Deus.
Na verdade, o Espírito nos chama para atuação no mundo. Cristo afirmou que não somos do mundo, mas estamos nele, por isso clama ao Pai para que nos livre. Não significa que devemos viver de forma alienada, forjando uma falsa espiritualidade, mas que devemos viver para regar o mundo por meio da fonte de vida. Viver a verdadeira espiritualidade nos leva a ver o mundo como campo branco para a ceifa, ou seja, um local à espera de libertação e transformação.
A experiência da comunidade deve ser marcada pela atuação do Espírito como orientador, consolador e ajudador; como aquele que gera a vida, pois ele é o doador da vida! Ele não inibe a vida; ao contrário, faz-nos vivê-la em nossa humanidade com verdadeira vitalidade.

(Espírito Santo aspectos de uma pneumatologia solidaria à condição humana, Alessandro Rocha, Ed. VIDA acadêmica, 2008, pp 49-52)

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