quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Um povo à altura de seu Deus (Isaías 40-55)

por
Júlio Paulo Tavares Zabatiero

Introdução

Na teologia de Is 40-55, a principal novidade é a redescrição da fé em
Javé. Redescrição que tem seu elemento mais peculiar na afirmação de que
somente Javé é deus, que serve de base para a releitura das tradições israelitas
do Deus libertador, justo, santo, fiel à aliança com o seu povo eleito. Ao focarmos o estudo na identidade do povo de Javé em Is 40-55, veremos que essa
mudança na concepção da divindade é a principal fonte para as propostas
redescrição da identidade do povo judaíta, redescrição que abre novas
possibilidades para a identidade do povo de Deus.

1. Nomenclatura para o povo de Deus em Isaías 40-55

1.1. Nomes do povo de Deus
(1) Israel e Jacó (ocorre em 42 versos, algumas vezes no título de Deus:
40,27; 41,8.14.16.17.20.21; 42,24; 43,1.3.14.15.22.28; 44,1.2.5.6.21.23;
45,3.4.11.15.17.19.25; 46,3; 47,4; 48,1.2.12.17.20; 49,3.5.6.7.26; 52,12; 54,5;
55,5)
(2) Judá (ocorre em 3 versos: 40,9; 44,26; 48,1)
1.2. Jerusalém e Sião representando o povo de Deus
(1) Jerusalém (ocorre em 9 versos: 40,2.9; 41,27; 44,26.28; 51,17;
52,1.2.9; é o tema central do capítulo 54, sem ser nomeada; e é identificada duas
vezes por meio de expressões: 45,13 “minha [de Javé] cidade” e 48,2 “cidade
santa”)
(2) Sião (ocorre em 21 versos: 40,9; 41,27; 46,13; 49,14; 51,1.3.11.16;
52,1.2.7.8)
1.3. Fórmulas tradicionais e vínculos com o nome de Deus
(1) Meu povo (ocorre em 9 versos: 40,1; 43,20; 47,6; 51,4.16; 52,4.5.6;
53,8)
(2) Javé, teu Deus (ocorre em 3 versos: 43,3; 48,17; 55,5)
(3) Santo de Israel (ocorre em 11 versos: 41,14.16.20; 43,3.14; 45,11;
47,4; 48,17; 49,7; 54,5; 55,5)
(3) Deus de Israel (ocorre em 6 versos: 41,17; 45,3.15; 48,1.2; 52,12)
(4) Rei de Israel (44,6); Rei de Jacó (41,21)

2. Características identitárias do povo de Deus em Isaías 40-55

2.1. Povo pecador
A condição de deportados, ex-moradores de uma cidade destruída e de
um reino subjugado, provocou intensa reflexão entre os judaítas. Para boa parte
dos jerosolimitanos, graças à permanência da dinastia davídica no poder real, a
crença na inviolabilidade da cidade santa e da perenidade da dinastia davídica
era marca definidora de sua identidade. Crença esta que, com o exílio, se provou
incorreta e passou a demandar readequação. Em Is 40-55, as tradições da
profecia pré-exílica (especialmente a do VIII século a.C., que denunciavam o
pecado dos dirigentes do povo de Deus e o castigo divino na forma de conquista
do reino pelos assírios e deportação dos pecadores) foram reconfiguradas de
modo que a condição de pecador se tornou primária na construção da identidade
da parcela do povo de Deus que experimentou o exílio. Neste sentido, a teologia
de Is 40-55 se constrói como o principal discurso concorrente de outros
discursos similares: (a) o jeremiânico-deuteronomista, que destaca a
pecaminosidade da casa real e do povo de Judá, mas na ótica da quebra da
aliança com Javé, primariamente na forma de idolatria e, em segundo lugar,
como desobediência à Torá de Javé; e (b) o ezequielano-sacerdotal, que atribui a
desgraça ao pecado do povo de Deus, concebido primariamente como impureza
e ignorância da Torá divina medida pelo sacerdócio.
A abertura do livrinho do novo êxodo destaca o cumprimento da pena do
“meu povo”, pena justa para os pecados outrora cometidos (40,1-2). A
identificação do “meu povo” com Jerusalém nos versos iniciais, e a afirmação
do papel de “evangelista” para Jerusalém/Sião (em 9-11), deve ser entendida
como uma reafirmação da condição pecaminosa dos grupos dirigentes do Judá
pré-exílico, mas também como uma afirmação de sua importância estratégica na
restauração do reino por Javé. Desde o início do livro ressoa a polêmica contra a
crença babilônica (e vétero-oriental em geral) de que os deuses dos povos
conquistados eram derrotados pelos deuses da Babilônia. A destruição do reino
de Judá e o exílio de parte de sua população não foram causados pelo poder
superior de Marduque, mas pela mão do próprio Javé, que puniu seu povo por
causa de seus pecados. O castigo, entretanto, não é a palavra final de Javé para
seu povo, e esse é o tema que perpassa a pregação deutero-isaiânica: o mesmo
Javé que puniu seu povo, por causa de seus pecados, é o poderoso deus que irá
libertá-lo e restaurá-lo (40,3-11).
São três os termos que descrevem o pecado de Jerusalém (meu povo) no
verso 2: Ha'b'c. (serviço militar), Hn"wO[] (perversidade, transgressão) e h'yt,aJox-; lk'B .
(todos os teus pecados). Os dois últimos são relativamente freqüentes no Antigo
Testamento, enquanto o segundo só é usado aqui nesse sentido de
pecado/castigo, aproveitando a ambigüidade do termo, que indica serviço militar
obrigatório e, por extensão, servidão. Transgressão e pecado são termos mais
genéricos, usados tanto em contextos cúlticos, quanto legais, quanto políticos.
Miquéias 3:8 (pecado) e Amós 3,2 (transgressão) são textos emblemáticos,
destacando o caráter totalizante dos erros dos dirigentes de Judá e Israel
(injustiça social, idolatria e infidelidade a Javé).
Descrições mais concretas são encontradas em: (a) Is 42,18-25 que
destaca a cegueira e surdez de Jacó/Israel, que não ouviram a Torá de Javé e não
andaram em seus caminhos – nem a Torá nem os profetas foram capazes de
fazer Jacó/Israel prestarem atenção a Javé. A nação pecadora preferiu ouvir a si
mesma, aos seus próprios sábios e mestres, ao invés de ouvir a Javé e seguir os
seus caminhos de justiça; (b) 43,22-28 é construído ao redor da temática do
senhor/escravo, destacando que Jacó/Israel não serviu a Javé, não o honrou com
o seu culto ou com sua vida, ao contrário, fez do culto um auto-serviço e do
Senhor um escravo dos interesses da nação. Muito provavelmente, o texto é uma
releitura das tradições de Jacó, especialmente Gn 27-32, destacando o
comportamento do povo de Deus que desonrou a Javé e causou, assim, a perda
de sua “primogenitura”. Ao invés de acusar Javé de esquecimento de seus
compromissos com Jerusalém e a dinastia davídica, os acusadores deveriam
reconhecer a sua própria condição de infidelidade e pecado, e agradecer a Deus
pelo gracioso perdão que passou a lhes conceder; (c) 48,1-11 destaca a falsa
confiança na proteção de Javé e a teimosia dos dirigentes de Jerusalém que não
agiam em conformidade com a aliança de Javé, mas exigiam dele o
cumprimento de “sua” parte no trato – proteger Jerusalém e a dinastia davídica.
Denúncias similares sobre a falsa confiança em Javé são encontradas em Am
3,2; Os 12,3-4; Jr 2,4; 9,3; enquanto afirmações sobre a teimosia de Judá/Israel
são comuns na tradição deuteronomista (e.g. Dt 10,16; 31,27; Jr 7,25-26). Javé
não deixou de denunciar o pecado e prevenir contra o castigo, mas não foi
ouvido, e teve de cumprir a ameaça; e (d) 51,17-23 utiliza a metáfora da
embriaguez para se referir tanto ao castigo de Javé quanto à pecaminosidade de
Jerusalém. A metáfora da embriaguez tornou-se um tópico relativamente
freqüente na profecia (Is 5,11-17; 28,1-6.7ss; 29,9-16; Jr 13,12-14; 25,15-38; Ez
23,32-34), destacando não só o pecado, mas também o castigo de Javé contra a
nação pecadora. A irracionalidade da embriaguez figurativiza, portanto, a
irracionalidade do pecado, a conduta que não se adequa ao ensino e à aliança de
Deus com o seu povo. Como no pensamento vétero-israelita, a culpa e o castigo
sobre a culpa formam uma unidade com o pecado, a utilização da mesma
metáfora da embriaguez para figurativizar o juízo de Javé não é de se estranhar.
2.2. Povo perdoado e resgatado por Javé
Se o pecado de Jacó/Israel-Jerusalém/Sião foi de tal monta que obrigou
Javé a cumprir suas ameaças e castigar a nação com o fim do reino e a
deportação dos dirigentes, a grandeza do poder e da misericórdia de Javé
ultrapassa em muito o mal, e faz com que a última palavra de Deus para o seu
povo pecador não seja a de castigo, mas a de perdão, consolo e libertação. A
teologia do segundo-Isaías destaca a justiça de Javé em condenar e castigar seu
povo, uma forma de teodicéia necessária para se contrapor ao discurso babilônio
da grandeza de Marduque. Justificado, Javé enfatiza, através da pregação do
servo, a sua misericórdia e a sua fidelidade para com o povo de sua eleição –
que se tornarão eficazes mediante a libertação do domínio babilônico e o retorno
a Jerusalém reconstruída e redignificada. Além do efeito justificador de Javé, a
ênfase sobre a justiça do castigo tem como papel essencial chamar a atenção dos
exilados e convocar-lhes a voltar a crer no Deus de Israel – que não se esquecera
deles, como chegaram a pensar (cf. 40,27-31; 49,14-26; 50,1-3). No exílio, a
lógica vétero-oriental da derrota do deus do país conquistado pelo deus do
conquistador fazia todo sentido para os judaítas. Vários deles passaram a
configurar sua identidade a partir dessa lógica, aderindo à religião dos
babilônios, e condenando Javé pela situação em que se encontravam. A
teodicéia de Javé anula a “etnodicéia” dos exilados, e convoca à reconstrução da
identidade judaíta em novos termos – centrada na fidelidade a Javé e não na
auto-segurança da dinastia (e da nação).
As metáforas de base para a construção da nova identidade do povo de
Deus, em Isaías 40-55 são, principalmente: (a) novo êxodo (40,3-8; 43,9-21;
45,14-25; 47,4; 51,1-16), que excederá o primeiro em grandeza e glória,
revelando a todas as nações o braço forte e a mão estendida de Javé em favor do
seu povo humilhado. Neste novo êxodo, três são os protagonistas humanos
destacados – o escravo de Javé que anuncia o seu agir (passim); Ciro, que será
instrumento de Javé para tirar os exilados da Babilônia (45,1ss) e o próprio povo
que é convocado a sair da Babilônia, a fugir dela para voltar a Javé (48,20;
52,11-12); (b) o reinado de Javé (40,9-11; 52,7-12), que é anunciado como uma
boa notícia aos castigados, como o retorno de Javé a Jerusalém/Sião para
novamente apascentar e governar seu povo; (c) uma nova aliança, de plenitude
(54,10: ymiAlv. tyrIb.W), intermediada não mais pela dinastia davídica (55,1ss), mas pelo servo fiel a Javé (42,6; 49,8), e que se estenderá a todas as nações – fazendo, assim, de Israel/Jacó testemunha de Israel para os povos (cf. 43,9-21; 44,24-28); e, a novidade do segundo-Isaías, a da libertação como criação (43,1ss; 44,2.24; 46,3; 54,5). Javé não só é o criador de céus e terra, como é também o criador de Israel/Jacó – tema impressionante na medida em que se contrapõe à cosmogonia babilônica (que é também uma teogonia), e reafirma a exclusividade e a singularidade de Javé, o único Deus (54,5).
Uma característica que ressalta dos vários textos acima indicados, no que
tange às tradições judaico-israelitas do êxodo, reinado de Javé e aliança, é o
caráter superlativo do novo agir de Deus, de tal monta que os ouvintes são
exortados a se esquecer das coisas passadas (43,18-19), e a contemplar o novo, a
novidade do agir de Javé. O uso de linguagem tão exaltada e superlativa possui
um importante efeito retórico para ouvintes que, como os judaítas exilados,
corriam o risco de abandonar, ou já haviam abandonado a sua identidade
anterior, em prol da nova identidade proposta na nova situação de minoria
oprimida e humilhada. Se Javé fora capaz de libertar os hebreus do Egito, não
será tão mais capaz e poderoso para libertar dos babilônios? Se o império
egípcio fora grandioso e o babilônico se apresentava como imbatível e
indestrutível (caps. 46-47), nada menos do que uma retórica exaltada do poder e
da majestade de Javé seria necessário para reconduzir os exilados ao caminho da
fidelidade a Javé e da confiança em um futuro desligado da Babilônia. Isto nos
leva, enfim, a uma reflexão sobre a utopia do segundo-Isaías, como o marco
final no processo de construção da nova identidade do povo de Deus.
2.3. Povo grandioso: a utopia da nova família de Javé
A utopia do segundo-Isaías está diretamente ligada à ação de Javé, que
constitui a identidade do seu povo. A primeira marca da visão de um novo Israel
é a afirmação triunfante do reinado de Javé (40,9-11; 52,7-11). Com Javé como
rei, Israel estará livre do domínio de outras nações e estará livre também da
condenação a que foi submetido por seu próprio pecado. Que Javé reina é uma
boa-notícia, um evangelho para Israel, que dá força aos cansados, ânimo aos
desanimados, coragem aos enfraquecidos. O reinado de Javé tem
Jereusalém/Sião como o seu espaço central, mas do qual se irradia para todas as
cidades de Judá (40,9-11), cidade destruída, apenas ruínas que serão
reconstruídas e restauradas como uma nova cidade que dará testemunho do
evangelho do reinado de Javé.
A soberania libertadora de Javé, por sua vez, carrega em si a marca da
justiça (e.g. 41,2; 42,1-4; etc.), que é o sinônimo da libertação e da justiça social.
Nas tradições do davidismo, a justiça é implementada na terra pelo rei (e.g. Sl
72), que representa Javé como governante e juiz do seu povo. No segundo
Isaías, o rei está ausente da implementação da justiça, tarefa que cabe ao servo
de Javé e ao próprio povo de Javé que deve buscar a justiça (51,1ss). Na bela
descrição da justiça do povo de Deus no capítulo 51, as figuras de Abraão e Sara
são evocadas para despertar a memória para o poder de Deus que, do nada, pode
fazer brotar a vida. Buscar a justiça de Javé também significa andar nos
caminhos de Javé e seguir a Sua Torá (51,4.7), de modo que é refletindo o agir e
o caráter de seu Deus que o povo israelita encontrará a sua nova identidade e
reconstruirá a sua nação em novas bases. Concretamente, isto evoca o problema
da distribuição das terras, uma vez que os exilados eram os possuidores da maior
parte da terra judaíta – embora isso tivesse sido conseguido graças ao pecado
(e.g. Is 5,1ss; Mq 2,1-5; 3,1-4). Se a volta dos exilados exige a busca e a
implementação da justiça, e se Jerusalém será evangelista para Judá, o direito
dos que ficaram na terra deverá ser considerado seriamente – a antiga noção da
herança familiar deve estar no pano de fundo desta dimensão da utopia
deuteroisaiânica. Em 49,5-6.8 podemos encontrar um indício nessa direção, na
afirmação da restauração das tribos de Jacó juntamente com os exilados de
Israel.
Mas a metáfora mais impressionante e dominante no segundo Isaías é a
da reconstrução e repovoamento de Jerusalém/Sião (40,2.9; 44,26-28; 46,13;
49,14ss; 51,3.17ss; 52,1-12; 54,1-17). O tema perpassa todo o livro, sendo
indicado na primeira parte e desenvolvido exaustivamente na segunda. Os
capítulos 51, 52 e 54 tratam, com profusão de metáforas e detalhes, da
restauração da cidade santa de Javé, a morada do Rei e Santo de Israel, abrigo e
habitação dos filhos de Israel. O contraste entre a condição real de Jerusalém,
destruída, arruinada, desabitada; e a nova realidade que será levada a efeito por
Javé, através de seus servos, não poderia ser maior. Aproveitando a metáfora da
esposa e da mãe, o laço entre Javé e Jerusalém é apresentado de forma
intensamente pessoal, destacando o caráter familiar do novo povo de Deus,
ansiado pelo profeta. Conquanto o segundo Isaías seja crítico das tradições da
inviolabilidade de Sião, em sua utopia apresenta também a promessa de que
Javé protegerá a sua cidade e fará dela o centro de seu governo mundial (54,3).
O que distingue a pregação do segundo Isaías da tradição sionista préexílica
é que o fundamento da nova Jerusalém não é cúltico, mas ético – apesar
da ênfase em Sião, não há ênfase correspondente sobre o Templo e o culto
sacrificial. Isto sugere que os autores desta utopia estavam ligados ao culto, sim,
mas principalmente à dimensão didática do serviço sacerdotal. Na nova
Jerusalém, todos os seus habitantes serão discípulos de Javé (54,13), figura que
evoca o próprio servo de Javé como aquele que escuta ao seu Deus.
Evidentemente esta metáfora do discipulado está em contraste com a descrição
do pecado pregresso de Jerusalém como cegueira e surdez (vide acima). Não
mais cega e surda aos caminhos e à instrução de Javé, Jerusalém se tornará uma
cidade verdadeiramente santa e justa, pelo que receberá a proteção de seu Deus.
Morada dos discípulos de Javé, Jerusalém será cidade da justiça (54,14), da qual
toda opressão será afastada e toda injustiça será banida. É esclarecedor ler o
capítulo 54 à luz de Isaías 1,21-31. A Jerusalém pré-exílica se dizia santa,
morada de Javé, sede da justiça, trono do Senhor mas era, na verdade, a capital
da injustiça social e da negação do reinado de Javé. A nova Jerusalém terá Javé
como seu rei (Is 52,7ss), seguirá as palavras do Senhor (51,16) e efetivamente
fará da justiça os seus alicerces (54,14). E tudo isso virá do próprio Javé (54,17),
de modo que não se poderá tomar esta descrição como algo de cunho
sacramental, automático, mas como uma utopia no sentido pleno da palavra,
uma nova cidade a ser construída pelo novo povo de Deus, seguindo a Torá do
Senhor, andando na santidade do seu Deus, praticando a justiça do seu Criador e
Redentor, e submetendo-se ao governo justo de seu Rei.

Conclusão

A nova identidade do povo de Deus tem sua base na nova concepção da
identidade de Javé. Se o Senhor de Israel é o único Deus, aquele que criou o
mundo e o seu povo, que libertou e libertará seu povo perante as nações, que
realizou e realizará a justiça e manifestará sua soberania entre todos os povos –
então o povo de Deus, reconduzido à sua terra, será testemunha viva desse Deus,
testemunha concreta, não em palavras, mas em atos, reconstruindo a sua
identidade agora nessas novas bases, identidade de aprendiz, discípulos e
discípulas de Javé que efetivamente encontrarão no serviço a sua real identidade,
o grande desafio da sua utopia.
Resta a pergunta pela concretude sócio-política desta redescrição da
identidade do povo de Javé. Parece-me claro que a proposta não é a de
restauração do reinado davídico e da sua religião oficial centrada no Templo de
Jerusalém. Tanto a casa davídica quanto o templo recebem pouquíssima atenção
em Is 40-55 e, especialmente a primeira, quando é mencionada não o é em
termos messiânicos. Parece-me claro, também, que a proposta utópica de Is 40-
55 é de cunho urbano e não camponês – pelo que o papel primordial de
Jerusalém na concretização do reinado de Javé em Judá e Israel. O uso paralelo
dos termos Jacó/Israel e Jerusalém/Sião sugere uma restauração da aliança entre
as famílias e “tribos” judaítas e israelitas, com a capital Jerusalém como o foco
de um governo centrado na crença em Javé, deus libertador – uma espécie de
neo-tribalismo. Este tema, porém, merece muito maior atenção do que é possível
fazê-lo neste contexto. Ficam, assim, apenas estas brevíssimas sugestões.

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